Perda de espécies, substituição de plantas raras por outras mais generalistas e homogeneização de 40% da paisagem são as principais consequências das mudanças climáticas na Caatinga, bioma que tende a apresentar clima ainda mais árido no futuro. A previsão é de um estudo cujos resultados foram divulgados no Journal of Ecology.
Pesquisadores das universidades Estadual de Campinas (Unicamp), Federal da Paraíba (UFPB), Federal de Pernambuco (UFPE), Federal de Viçosa (UFV) e do Instituto Federal Goiano (IFG) se debruçaram sobre dados de coleções científicas, herbários e da literatura para compilar um banco de dados inédito, com mais de 400 mil registros de ocorrência de cerca de 3 mil espécies de plantas do bioma. Além da distribuição geográfica, foram agregadas informações sobre a forma de crescimento das espécies de plantas (gramíneas, herbáceas, vegetação arbustiva, plantas arbóreas ou suculentas), clima e solo onde ocorrem. Também foi calculada a proporção de espécies arbóreas em cada localidade versus a de não arbóreas.
Por meio de modelos avaliados e validados, com diferentes tipos de algoritmos estatísticos e inteligência artificial, foram feitas mais de um milhão de projeções com as possíveis respostas das espécies da Caatinga às mudanças climáticas do futuro.
“Baseamos nossas previsões no último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), de 2021, que contém simulações sobre o clima no planeta”, explica Mario Ribeiro de Moura, pesquisador da Unicamp e autor do trabalho. “Mas vale lembrar que não sabemos como a humanidade vai se comportar daqui pra frente, por isso consideramos dois cenários: no otimista, surgirão tecnologias capazes de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e viabilizar o Acordo de Paris [que prevê limitar o aumento da temperatura média global até 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais]; já no pessimista, as taxas de desmatamento, o uso de combustíveis fósseis e o crescimento populacional se manterão elevados, sem que se avance em inovação.”
Os resultados do estudo, financiado pela FAPESP por meio de dois projetos (22/12231-6 e 21/11840-6), indicam que 99% das comunidades de plantas da Caatinga experimentarão perda de espécies até 2060. O clima do futuro na região deve ser ainda mais quente e seco, tornando-se mais difícil e impactante para as árvores, que devem ser substituídas por vegetação de baixo porte, especialmente gramíneas, por sua facilidade de se expandir e crescer. Como consequência, serão afetados também os serviços ecossistêmicos que a vegetação fornece para as populações, como fotossíntese, renovação do ar e armazenamento de carbono – os famosos estoques de carbono acontecem na forma de biomassa vegetal, acumulada nos troncos, raízes e folhas, que naturalmente é maior nas árvores.
Esses eventos serão mais visíveis em áreas montanhosas, como a Chapada Diamantina e a Chapada do Araripe, respectivamente no sul e no centro-norte do bioma. A explicação é simples: conforme o clima esquenta, espécies das baixadas se deslocam na montanha para continuar habitando uma região climaticamente mais satisfatória. Já as das porções mais altas acabam extintas. “Para o bioma inteiro, previmos, no cenário otimista, 50 espécies de plantas extintas e, no pessimista, 250”, diz Moura. “Ambos são muito ruins.”
Com tudo isso, 40% da região sofrerá uma simplificação de sua composição, com perda de espécies raras. “É como se pegássemos a paisagem e batêssemos num liquidificador para homogeneizar tudo.”
Projetos de mitigação
Com esses dados em mãos, a ideia dos pesquisadores é que a interlocução entre diferentes níveis de governo passe a considerar planejamentos de conservação em macroescala, com visão de longo prazo. Criar esse tipo de estratégia é importante tanto para mitigar os efeitos das mudanças climáticas quanto para cessar outros tipos de impacto de origem humana, como desmatamento, destruição de hábitats e degradação e exposição do solo.
“Projetos que recuperem a conectividade da paisagem em áreas sujeitas a impactos por mudanças climáticas, por exemplo, aumentam as chances de as espécies que ali vivem conseguirem se dispersar ao longo do tempo para regiões mais adequadas, seja por meio de animais ou pelo vento”, diz Moura. “Por outro lado, se impactamos demais a biodiversidade da região, por degradação e desmatamento da vegetação natural, uso generalizado de agrotóxicos ou caça, comprometemos ainda mais os recursos que temos daqui pra frente.”
Fonte: FAPESP