O ano que escapou a todas as previsões: veja o que se esperava para a economia em 2020 – e o que de fato aconteceu
A crise decorrente da pandemia do coronavírus fez a economia fugir de todas as previsões feitas para este ano. Veja, em dez gráficos, o que se esperava para alguns indicadores e como eles se comportaram.
Todos os anos, economistas dentro e fora do governo fazem estimativas para o desempenho da economia brasileira. Algumas vezes acertam. Muitas outras erram. O ano de 2020, no entanto, fez troça de quase todas as previsões.
No final de 2019, a visão era de um otimismo moderado: com a reforma da Previdência aprovada, as contas públicas caminhavam para um cenário mais favorável; a inflação, apesar de acima da meta, permanecia sob controle, permitindo que a taxa básica de juros alcançasse o menor patamar da história.
O PIB, mais uma vez, terminava o ano de forma decepcionante – mas, ainda assim, com crescimento pelo terceiro ano consecutivo. O desemprego, ainda que lentamente, arrefecia, encerrando 2019 no menor patamar em quase quatro anos. Na bolsa, os investidores acabavam de encerrar mais um ano de recorde.
Mas aí veio a pandemia.
E com a chegada do vírus, as previsões todas fizeram água.
Os primeiros abalos foram sentidos ainda antes de o coronavírus fazer suas primeiras vítimas no país: com os isolamentos decretados na Ásia e na Europa, o comércio exterior desacelerou – e a balança comercial brasileira teve seu pior primeiro trimestre desde 2015.
Com a chegada maciça da doença ao Brasil, o caldo entornou de vez. O isolamento necessário para conter a propagação do vírus fechou escolas, comércios, empresas. A paralisação repentina da atividade econômica derrubou a arrecadação, os mercados; fez subir o desemprego e o dólar; levou a inflação ao menor patamar em 22 anos.
Nesse cenário, as perspectivas para o ano passaram a mostrar um cenário de crise profunda, com algumas estimativas projetando um tombo de mais de 9% para o PIB, o maior em 120 anos.
O decorrer dos meses, com a reabertura da economia e o impulso do Auxílio Emergencial, passou a indicar uma crise ainda muito grave – mas menos avassaladora. Sem um fim para a pandemia à vista, no entanto – e com o Auxílio no fim -, as previsões para 2021 mais uma vez podem encontrar dificuldades de serem concretizadas.
Veja abaixo, em 10 gráficos, o que se esperava para a economia brasileira este ano – e o que de fato aconteceu.
Comércio
As vendas do comércio chegaram ao final de 2019 com alta de 1,8%, no terceiro ano seguido de crescimento – mas ainda sem recuperar as perdas de 2015 e 2016.
A recuperação já mostrava desaceleração no final do ano mas, ainda assim, o setor esperava um 2020 mais positivo: a estimativa da Confederação Nacional do Comércio (CNC) era de uma alta de 3% no ano que, se realizada, apontaria o melhor resultado desde 2013.
O ano, no entanto, já começou fraco. Em março, com os primeiros casos da Covid, o setor começou a sentir o baque. E em abril, mês em que grande parte do comércio fechou as portas, veio o tombo – e a previsão de encerrar o ano com uma queda de 8,7%.
Mas a reabertura nos meses seguintes zerou as perdas do ano: no acumulado até setembro, último dado divulgado pelo IBGE, o varejo passou a apresentar estabilidade. E um horizonte mais azul, com uma previsão de fechar o ano com alta de 1,9%.
Serviços
Depois de três anos de resultados ruins, o setor de serviços fechou 2019 com alta, ainda que modesta, de 1%. Com a recuperação, as estimativas para 2020 eram do maior crescimento desde 2014, de 1,9%, segundo a CNC.
Mas, dependente em sua quase totalidade de atendimento presencial, o setor de serviços foi seriamente afetado pela pandemia. Após dois meses de desempenho satisfatório, em março começou a queda: com o setor quase paralisado, a atividade começou a cair – movimento que se intensificou em abril e só começou a perder força em maio, com o relaxamento das medidas de restrição.
A retomada, no entanto, foi insuficiente para reverter as perdas da pandemia. Até setembro, o setor registrava queda de 6% em 12 meses (o maior foi de 5% em 2016) – e caminhava para o pior resultado anual da série histórica do IBGE, que tem início em 2011.
Desemprego
A paralisação da economia atingiu em cheio o emprego, que vinha de um ano positivo: em 2019, o saldo de empregos com carteira assinada foi o melhor em 6 anos, com quase 650 mil vagas, e a taxa de desemprego vinha em queda lenta desde março daquele ano, chegando a dezembro em 11%.
As projeções do FMI apontavam para mais um ano de queda suave no desemprego, que deveria chegar ao final de 2020 em 10,8%. Já o Ministério da Economia estimava acrescentar mais até 1 milhão de vagas formais ao estoque.
O estrago causado pela Covid no mercado de trabalho foi em parte contido por medidas tomadas pelo governo, que permitiram a redução de jornada e salário e a suspensão de contratos de trabalho. Mas, para os informais – mais de 40% dos ocupados -, as medidas não tiveram efeito.
O desemprego subiu com força. Mas a medida da crise foi sentida pelo desalento: o número de brasileiros que desistiram de procurar trabalho bateu recordes sucessivos e chegou a 8,9 milhões em setembro.
PIB
Ao final de mais um ano de crescimento modesto, o último boletim Focus (relatório produzido pelo Banco Central que compila estimativas de analistas de bancos) de 2019 mostrava que a economia brasileira deveria crescer 2,3% este ano. Ainda que não fosse uma alta espantosa, seria a maior desde os 3% de 2013.
O resultado do primeiro trimestre, que abrangeu apenas o início da pandemia, já mostrou que a atividade seria duramente afetada. No segundo, quando a atividade chegou ao fundo do poço, a queda bateu recorde: -9,6%.
As avaliações mais pessimistas chegaram a apontar uma queda de quase 10% no PIB ao final de 2020. Mas a reabertura das atividades, aliada ao Auxílio Emergencial – que repassou mais de R$ 260 bilhões a informais e desempregados -, frearam o tombo. No terceiro trimestre, frente a uma base mais fraca, o PIB cresceu 7,7% em relação ao trimestre anterior.
No início de dezembro, a previsão já era um pouco menos sombria: uma queda de 4,4% no PIB fechado de 2020.
Dólar
A alta do dólar já havia começado a assustar em 2019, batendo novo recorde histórico em novembro daquele ano. Mas as expectativas eram de que 2020 trouxesse um cenário mais estável para o câmbio, com os analistas dos bancos estimando que a moeda chegaria ao próximo dia 31 de dezembro a R$ 4,09.
Não demorou para as expectativas serem frustradas. Em março, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o dólar chegaria a R$ 5 se ele fizesse “muita besteira”. Mas esse patamar não só foi alcançado como bastante superado, com cotação da moeda batendo recordes sucessivos.
Em maio, relatos sobre o vídeo da reunião ministerial do mês anterior apontaram para uma suposta interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal – e a tensão que se seguiu nos mercados levou o dólar a R$ 5,90 – sua maior cotação da história.
Os meses seguintes trouxeram turbulência, e a cotação do dólar, embora não tenha voltado ao pico, está longe das previsões anteriores: a estimativa, agora, é que chegue ao final do ano a R$ 5,22.
Inflação
2019 fechou com a inflação a 4,31%, pouco acima da meta central do Banco Central – e o último boletim Focus daquele ano indicava um 2020 caminhando para uma trajetória semelhante, com o IPCA – a inflação oficial – a 3,60%. Já para o IGP-M, chamado de ‘inflação do aluguel’, a estimativa era de uma alta de 4,24% este ano.
Os primeiros meses do ano mostraram uma inflação em queda livre: com a população sem comprar, a pressão sobre os preços se desfez. Em maio, o IPCA registrou deflação de 0,38%, a menor taxa em 22 anos.
Mas essa situação durou pouco. Com a retomada das atividades a partir de maio, o início dos pagamentos do Auxílio Emergencial – e, principalmente, a alta do dólar e a procura por alimentos e commodities no mercado internacional -, a inflação voltou a assustar, afetando principalmente os preços dos alimentos e as famílias de renda mais baixa.
Em novembro, o IPCA atingiu a maior taxa mensal do ano. O IGP-M, mais fortemente influenciado pelos preços no atacado, subiu ainda mais, acumulando uma alta de 24,52% em 12 meses. Sem sinal de alívio, a inflação oficial caminha para encerrar o ano a 4,21%, enquanto a inflação do aluguel deve chegar a espantosos 24,09%, a maior taxa desde 2002.
Contas públicas
Ajudadas por uma arrecadação bilionária no leilão de petróleo conhecido como ‘seção onerosa’, as contas públicas chegaram ao final do ano com um déficit (arrecadação menos gastos) de R$ 61,87 bilhões. Era o sexto ano seguido de contas no vermelho, mas o melhor resultado desde 2014.
Para 2020, com a Reforma da Previdência aprovada e com uma recuperação econômica à vista – mas sem a previsão de arrecadação extra com leilões de petróleo -, o governo estabeleceu como meta fiscal um déficit de R$ 118,9 bilhões.
Os gastos extraordinários com a pandemia, aliados à crise econômica, jogaram por terra essa meta, que foi derrubada, de qualquer forma, pelo decreto de calamidade pública, que desobrigou o governo de cumpri-la.
Além das despesas com o Auxílio Emergencial e outras para mitigar os efeitos da pandemia, o governo se deparou com uma queda brusca na arrecadação, provocada pela paralisação econômica. E as contas devem chegar ao final deste ano com um rombo de cerca de cinco vezes o esperado.
Bovespa
Maior alta em 3 anos. Maior patamar da história. A bolsa encerrou 2019 com dados positivos e otimismo para 2020. Analistas viam o Ibovespa, principal indicador da bolsa, chegando ao final deste ano próximo aos 130 mil pontos, o que significaria uma alta de cerca de 12% no ano.
Mas o mercado financeiro foi o primeiro indicador a sentir os impactos do coronavírus. Já em março, diante da crise no exterior, a bolsa brasileira desabou. Ao longo daquele mês, o chamado ‘circuit breaker’, quando os negócios são interrompidos para frear uma queda brusca, foi acionado cinco vezes.
Ao longo dos meses seguintes, a bolsa recuperou as perdas, mas não voltou a bater recordes. Sem uma saída clara da crise à vista, e com os juros nas mínimas históricas reduzindo a atratividade do país, os investidores estrangeiros relutam em voltar com força à bolsa brasileira – que deve encerrar 2020 perto de onde começou: ao redor dos 115 mil pontos.