STF suspende despejos e desocupações por mais 6 meses em razão da pandemia de Covid-19

115

No dia 03 de junho o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisão suspendendo, pelo período de seis meses, processos administrativos ou judiciais que resultem em remoção, desocupação ou despejo de populações vulneráveis, bem como a concessão de despejo liminar em que o locatário seja pessoa vulnerável, tendo em vista as medidas de contenção da pandemia de Covid-19.

Em Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 828/DF, o Ministro Relator Roberto Barroso considerou três situações distintas: ocupações ocorridas antes da pandemia; ocupações ocorridas durante a mesma; e situações de despejo em que o locatário seja pessoa vulnerável. Ressalte-se que o marco temporal que define o início das medidas de contenção da pandemia é 20 de março de 2020, quando foi decretado estado de calamidade pública, por meio do Decreto Legislativo n.º 6/2020.

No primeiro caso, o Ministro reconheceu que a necessidade das medidas de isolamento social impostas pelo Poder Público – neste contexto, a de permanecer em casa para evitar a propagação do vírus da Covid-19 – provoca uma afluência de dois princípios constitucionais: o direito social à moradia e à saúde. Visando, portanto, à proteção de populações mais vulneráveis que, pelas suas condições sociais, estão mais expostas à contaminação, bem como a saúde dos agentes públicos envolvidos nos procedimentos de desalojamento, o eminente Relator entendeu pela sua suspensão, pelo prazo de seis meses, de tais ocupações.

O segundo caso diz respeito ao desfazimento de novas ocupações, posteriores à data de 20 de março de 2020. Aqui, preponderou a necessidade de se tutelar a segurança pública em face da ação de grupos criminosos, além do risco iminente de deslizamentos e outros desastres naturais, quando houver. Desta maneira, a atuação do poder público é permitida, contanto que haja a possibilidade de transferência dos moradores para locais seguros, evitando-se a situação de desabrigo.

Por fim, merece especial atenção a terceira hipótese, qual seja, a de despejo liminar do locatário, considerando-se sua condição socioeconômica: a Lei n.º 14.010/2020, que disciplinou o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado (RJET), em seu artigo 9º, veio a suspender, até o dia 30 de outubro daquele ano, a concessão de pedidos liminares de despejo sem oitiva da parte contrária, nos casos previstos no artigo 59, §1º, incisos I, II, V, VII, VIII e IX, da Lei n.º 8.245/1991(Lei de Locações de Imóveis Urbanos). Trata-se de desocupação liminar do imóvel locado no prazo de quinze dias, independentemente de audiência da parte contrária, que pode ocorrer em situações como descumprimento de acordo em que as partes tenham fixado prazo mínimo de seis meses para desocupação, permanência do sublocatário no imóvel após o término do contrato de locação, falta de pagamento do aluguel, dentre outros.

Na decisão do Ministro Barroso, foi analisado o profundo impacto que a pandemia de Covid-19 teve na realidade socioeconômica dos brasileiros, sopesando-se tanto as necessidades dos locatários em permanecer nos imóveis, de modo a viabilizar a prática do isolamento social, quanto as consequências que a ocupação destes imóveis, sem a contrapartida do pagamento do aluguel, pode trazer aos locadores, os quais, muitas vezes, possuem nos alugueres sua principal ou única fonte de renda. Aqui se delineia um delicado conflito de interesses, com potenciais efeitos deletérios para todas as partes envolvidas: de um lado, sabe-se que a renda dos trabalhadores brasileiros diminuiu drasticamente desde o início da pandemia, aprofundando os efeitos de um período de crise econômica que o país já vinha enfrentando mesmo antes dela; o desemprego chega a níveis alarmantes e mesmo aqueles que continuam empregados frequentemente veem sua renda minguar significativamente; desta maneira, muitas famílias encontram-se inevitavelmente em situação de desalento financeiro, com dificuldades para honrar com seus compromissos, dentre eles o pagamento de alugueres. De outro lado, há de se pensar que também aqueles que dependem do pagamento destes alugueres para prover o seu sustento podem passar dificuldades ao se verem na incerteza de receber esta renda com a assiduidade necessária.

Também foram consideradas possíveis distorções nas relações locador/locatário, como situações em que este último poderia valer-se da suspensão dos despejos liminares para deixar de efetuar o pagamento de seus alugueres, mesmo possuindo condições econômicas de fazê-lo. Assim sendo, o Ministro orientou uma “intervenção judicial minimalista”: significa dizer que, muito embora se tenha determinado a suspensão da concessão de liminar de despejo nas hipóteses do artigo acima, está não se dará em qualquer situação, devendo, para tanto, ser comprovada a condição de vulnerabilidade socioeconômica do locatário; por outro lado, verifica-se que nem todos os incisos constantes do artigo 59 da Lei n.º 8.245/1991 foram contemplados pela decisão do STF, pelo que se pode concluir que a medida liminar de despejo ainda pode ser concedida em caso de término de locação para temporada, morte do locatário com a permanência de pessoas não autorizadas no imóvel e quando haja necessidade de reparações urgentes neste, que não possam ser executadas com a permanência do locatário.

Neste sentido, merece destaque o artigo 7º, §1º, da Lei n.º 14.010/2020, que afasta a aplicação de seu caput às revisões contratuais de locação. Ou seja, os fatores elencados naquele dispositivo, quais sejam, o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização e a substituição do padrão monetário, podem ser considerados imprevisíveis quando se trata da revisão de alugueres.

O momento atual, inclusive, parece muito mais favorável à adoção de medidas conciliatórias que busquem satisfazer, da melhor maneira possível, tanto as necessidades dos locadores quanto dos locatários – frise-se que, muito embora a lei acima mencionada suspendesse a concessão de liminares de despejo somente até o dia 30 de outubro de 2020, o STF, entendendo que perdura a situação calamitosa provocada pela pandemia, bem como suas consequências prejudiciais à economia, permanecendo a necessidade de isolamento social para redução da transmissão do vírus, estendeu seus efeitos pelo prazo de seis meses a contar da publicação da decisão. É de se considerar, desta forma, que tais medidas suspensivas ainda possam se aplicar por longo prazo, sendo reiteradamente renovadas até que a situação pandêmica esteja totalmente sob controle.

Diante dos desafios impostos pela atual pandemia de Covid-19, com sérios desdobramentos tanto na vida quanto na economia da população brasileira, a suspensão dos despejos liminares determinada pelo STF pode representar um alívio para aqueles que veem escassear seus recursos para manter sua moradia e prover sua família e, também, por outro lado, uma preocupação para aqueles que dependem da renda locatícia para os mesmos propósitos. Por isto, a análise pormenorizada do “caso a caso” mostra-se extremamente necessária a fim de se evitar que umas partes tirem injusto proveito de outras. Ademais, a negociação amigável, buscando soluções mutuamente benéficas para todos os envolvidos, mostra-se um caminho promissor a se alcançar um denominador comum entre locadores e locatários, de modo a mitigar o prejuízo suportado para ambas as partes.

A autora do artigo, Ivy Oliveira Mourão dos Santos é advogada da área cível no escritório Machado Franceschetti Advogados Associados.

Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado.

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.