Segundo um estudo do Instituto de Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), os produtos agroalimentares e as bebidas, cujos nomes são protegidos pela União Europeia por meio de “Indicações Geográficas” (IGs), representaram um faturamento de 74,76 bilhões de euros em 2017. Mais de um quinto desse valor é proveniente de exportações para países terceiros. O relatório também aponta que o valor de venda de um produto com uma designação protegida é, em média, o dobro do valor de produtos similares sem certificação.
Enquanto a Europa possui mais de 3.500 IGs, o Mercosul atualmente possui cerca de 265, com o Brasil e Argentina liderando o grupo, ambos com 112 cada, seguido pelo Uruguai com 32 e Paraguai com 9. No entanto, a região demonstra uma forte consciência do potencial econômico e dos benefícios que uma indicação geográfica pode trazer, pois o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) já recebeu mais de 20 solicitações para análise – de acordo com avaliações do SEBRAE, pequenas empresas brasileiras podem ver os preços de mercado de seus produtos aumentarem em até 300% com IGs.
Neste contexto, entre 20 e 22 de março, o IP Key América Latina promoveu treinamento sobre o uso de IGs no mercado do Mercosul em Belo Horizonte. Na ocasião, o projeto, financiado pela União Europeia (UE) e implementado pelo Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), compartilhou com os participantes dos setores público e privado do Mercosul as diferentes visões e estratégias envolvidas em indicações geográficas (IGs), além de estimular a troca de experiências e convergência com os padrões internacionais e da UE.
A ocasião foi impulsionada pelo Acordo de Associação entre a União Europeia e o Mercosul, que consolida uma parceria política e econômica estratégica e cria oportunidades significativas para o crescimento sustentável de ambas as partes, respeitando o meio ambiente e preservando os interesses dos consumidores de ambos blocos político-econômicos e de seus setores econômicos sensíveis.
Em geral, nos termos do acordo, o Mercosul protegerá 355 indicações geográficas europeias para vinhos, bebidas alcoólicas, cervejas e produtos alimentícios, como Prosciutto di Parma, Champagne, vinho do Porto e uísque irlandês. Em troca, a UE também protegerá 220 nomes de produtos tradicionais do Mercosul, como a cachaça e o vinho Mendoza, da Argentina. As partes podem acrescentar mais IGs ao acordo para proteção com base no princípio de “listas abertas”.
As Indicações Geográficas
As Indicações Geográficas são um sinal usado para produtos que têm uma origem geográfica específica e possuem qualidades ou uma reputação derivada especificamente de seu local de origem. As seguintes IGs participaram do evento: Luján de Cuyo (Argentina); Região do Cerrado Mineiro, Canastra, Salinas, Norte de Minas, Banana da Região de Corupá (Brasil); Stevia rebaudiana Bertoni (Paraguai); Cerro Chapeu (Uruguai); e Café Colombia (Colômbia).
Além de identificar os produtos de uma área, as IGs podem apoiar as PMEs e representar um benefício econômico, já que consolidam a reputação, aumentam o valor dos produtos locais e apoiam as empresas que os produzem, além de gerar mais confiança no consumidor e garantir um retorno adequado sobre o investimento. As indicações geográficas destacam, também, a necessidade de preservar os recursos naturais locais, já que a produção de longo prazo se baseia na ligação entre os produtos e sua conexão geográfica.
Para além disso, contribuem para um empreendedorismo mais justo ao oferecer proteção contra atos de apropriação indébita e concorrência desleal e garantir mais oportunidades de comercializar seus produtos locais no exterior, fortalecendo o perfil internacional da região e incentivando o turismo, já que as pessoas que compram produtos com certificação de IG geralmente têm interesse em visitar os locais de onde eles são originários.
A importância das Indicações geográficas foi discutida no painel de abertura do evento, apresentado por Carlos Azorín, Líder do Projeto IP Key América Latina. “O que queremos é fortalecer a cooperação entre a União Europeia e a América Latina, tentando abordar desafios e oportunidades no campo da sociedade. Podemos encarar as indicações geográficas como direito de historiedade intelectual”.
O primeiro dia também abordou as experiências compartilhadas pelo Mercosul e pela UE em relação ao assunto, além da importância de criar um bom sistema e como manejar essa cadeia a fim de fortalecer a indicação geográfica.
Minas Gerais em destaque: representativo setor agro
Minas Gerais, além de sede do evento, é também o maior polo de IGs do Brasil. Dados recentes coletados pelo SEBRAE, revelam que o estado possui 20 indicações geográficas das quais 18 são para produtos agroalimentares.
Na região, somam-se 55 municípios que, juntos, possuem uma área de plantação estimada em 234 mil ha e cerca de 4500 cafeicultores – além de representar aproximadamente 12,7% da produção nacional do grão. O número de IGs voltadas para o cultivo de café também é um dado significativo, Minas Gerais lidera o ranking nacional com 8 indicações geográficas apenas para plantações de café. Os participantes do evento também visitaram uma das IGs mineiras, a Região do Cerrado Mineiro, onde há a produção de café.
Além de Minas Gerais, Paraná (14) e Rio Grande do Sul (14) também posicionam no topo do ranking de estados com mais indicações geográficas no país. Os setores que mais se destacam são agroalimentar e indústria (com foco para calçados/moda e decoração). A lista completa pode ser acessada aqui.
Impactos das Indicações Geográficas
O evento debateu a tomada de decisão do cliente, associando produtos à qualidade. Francesco Meggiolaro, Diretor Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural da União Europeia, mencionou medidas no acordo entre Mercosul e UE. “A presença de produtos abusivos e falsificados não só danificam a reputação do produto original aos olhos do consumidor, mas também danificam a reputação de todo o sistema de indicações geográficas. As indicações geográficas têm um grande potencial de desenvolvimento nos países do Mercosul e os mesmos já fizeram um trabalho importante para começar a aproveitar esse potencial. Os limites que agora estão no acordo entre UE e Mercosul vão estimular ainda mais nessa direção, tanto na área de produtos agroalimentares, como também de artesanato, que também é outra área muito forte nos países da região”.
A Colômbia traz exemplos de como é possível valorizar a cultura e o trabalho manual local por meio das indicações geográficas. Entre 2010 e 2020 a Colômbia concedeu 26 novas IGs a produtos nacionais, e boa parte destes produtos foram do setor artesanal, de acordo com José Luis Lodoño, Diretor de Relações Exteriores, Desenvolvimento de Políticas e membro do Comitê de Indicações Geográficas do International Trademark Association (INTA). A exemplo disso, na produção do filme Encanto, da Disney, os produtores do longa entraram em contato com tribos indígenas locais colombianas para adquirir o direito de utilizar imagens animadas de produtos protegidos por indicações geográficas.
Já Hulda Oliveira Giesbrecht, Coordenadora de Negócios de Base Tecnológica e Propriedade Intelectual da SEBRAE Nacional, afirma que há muitos benefícios para os produtores em participarem de indicações geográficas e destaca as associações. “Sem dúvida, uma das maiores vantagens é a promoção conjunta. Investir no marketing de um produto sozinho é muito diferente de estar em um grupo – ele se beneficia de estar junto a outros produtores, de toda a mídia e divulgação gerada para aquela região a partir da concessão de uma indicação geográfica. Então essa promoção conjunta, essa divisão dos custos que ele teria sozinho, ao estar debaixo do guarda-chuvas da indicação geográfica, já é um grande diferencial para pequenos produtores”. Ela também destaca ganhos que estão relacionados à troca de conhecimento que pode acontecer nesses grupos, sendo relacionado à forma de gestão, de produção etc.
Também foram discutidos os usos indevidos e fraudes de indicações geográficas. Katarina Barathova, da European Comission, acrescentou que “cada vez mais, nos últimos anos, à medida que o ambiente digital e as plataformas digitais são mais utilizadas, também observamos um número crescente de violações de indicações geográficas no comércio”. Segundo o relatório “Violação de Indicações Geográficas protegidas para vinho, bebidas alcoólicas, produtos agrícolas e alimentos na União Europeia“, da EUIPO, o valor dos produtos infratores de IG na UE foi aproximadamente de € 4,3 bilhões em 2014. A perda para os consumidores, definida como o prêmio de preço injustamente pago pelos consumidores por acreditarem estar adquirindo um produto de IG genuíno, é estimada em até € 2,3 bilhões, representando aproximadamente 4,8% das compras totais de produtos de IG.