As incertezas econômicas nos mercados externo e interno estão impactando vários indicadores, como câmbio, inflação e a expectativas para as taxas de juros deste ano. Se no primeiro trimestre os agentes financeiros chegaram a prever que a Selic, a taxa básica da economia, terminaria 2024 próxima de 9%, agora as previsões começam em 10%.
Uma Selic elevada tem várias consequências. No mundo real, impacta diretamente o crédito, pois os empréstimos e financiamentos ficam mais caros. Com isso, inibe o consumo, uma vez que o custo dos produtos e serviços aumenta. Neste ciclo, a roda da economia vai girando cada vez mais devagar.
“Forma-se uma espiral negativa em que o setor produtivo é duramente atingido”, diz José Maurício Caldeira, membro do Conselho Administrativo da Asperbras Brasil, que atua em diversos segmentos da indústria, do agronegócio e dos serviços.
Porém, nem todos os segmentos econômicos são afetados da mesma forma por uma taxa elevada. Estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) concluiu que o impacto dos juros altos é 60% maior na indústria de transformação.
Isso ocorre, no entendimento da entidade, porque a indústria não tem mecanismos alternativos de financiamento, ao contrário de outros setores, cujas empresas captam recursos diretamente no mercado. A indústria não tem Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), Letras de Crédito Imobiliário (LCI), Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), debêntures incentivadas (destinadas ao setor de infraestrutura), nem um Plano Safra.
“O setor industrial sente na veia quando os juros estão altos”, diz José Maurício Caldeira. “E como é o setor que tem o maior multiplicador econômico, ou seja, o que mais irradia crescimento na economia, afeta bastante o desempenho do país como um todo”.
Se tudo correr como o governo planeja, em breve o setor industrial poderá acessar uma nova modalidade de financiamento. No mês passado, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 6235/2023, que cria a Letra de Crédito do Desenvolvimento (LCD), instrumento que poderá dar um impulso à neoindustrialização.
Diferentemente das ferramentas de financiamento do agronegócio e do setor imobiliário, as empresas não farão captação de recursos diretamente no mercado. A LCD será emitida pelos bancos de financiamento, ou seja, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) e Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes). O limite será de R$ 10 bilhões por instituição financeira.
Pelo texto aprovado na Câmara, a LCD poderá financiar projetos de infraestrutura, da indústria, de inovação e direcionados a micro, pequenas e médias empresas. No longo prazo, as estimativas do governo são de que apenas o BNDES agregue à economia cerca de R$ 100 bilhões anuais em empréstimos com esse novo instrumento.
“Taxas de juros elevadas são um veneno para quem quer produzir e investir no Brasil”, afirma José Maurício Caldeira, da Asperbras. “Por isso, precisamos de mais instrumentos de crédito, precisamos colocar mais alternativas no mercado, para que os empresários consigam recursos a juros compatíveis com a realidade do setor produtivo.”