Efeito do novo arcabouço fiscal no salário mínimo pode aumentar desigualdade

Pesquisadores da USP alertam que limitar o crescimento do salário mínimo pode aumentar a desigualdade de renda

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O estudo realizado pelo Made (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades) da USP revela que a limitação do ganho real do salário mínimo de acordo com o novo arcabouço fiscal pode aumentar a desigualdade de renda no Brasil. A pesquisa, focada nos impactos distributivos e fiscais das novas regras para o salário mínimo, aponta que a medida pode resultar em sérios efeitos negativos sobre a distribuição de recursos no país.

Embora a restrição ao crescimento do salário mínimo possa gerar economia para as finanças públicas, o estudo adverte que esse tipo de política pode limitar a arrecadação, comprometendo os ganhos líquidos do governo. A análise foi elaborada para enriquecer o debate sobre possíveis cortes de gastos públicos e alterações nas regras de correção dos benefícios sociais.

A discussão sobre a reformulação das regras fiscais ocorre no momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prepara um pacote de ajuste fiscal, com previsão de envio das medidas ao Congresso até o final do ano. O foco está na redução do gasto público, embora o presidente tenha descartado mudanças nas vinculações entre o salário mínimo e benefícios como aposentadorias e pensões do INSS.

Entre as propostas do novo arcabouço fiscal está a limitação do aumento real do salário mínimo, com o objetivo de alinhar a valorização à regra de crescimento das despesas, que variaria entre 0,6% e 2,5% ao ano. Com isso, os benefícios previdenciários continuariam vinculados ao salário mínimo, mas passariam a seguir a mesma regra de crescimento das despesas.

O estudo do Made simulou os efeitos dessa política caso fosse implementada desde 2000, utilizando o aumento máximo anual de 2,5%. O impacto sobre a desigualdade de renda seria significativo, com aumento de 3,2% a 3,8% nos benefícios previdenciários. Já os gastos do governo seriam reduzidos em até 19,9%, o que geraria um aumento no índice de Gini, indicador que mede a concentração de renda, de 0,529 para até 0,549.

Para o BPC (Benefício de Prestação Continuada), o estudo indicou um aumento de 0,75% na desigualdade, com o índice de Gini chegando a 0,533. No entanto, o impacto fiscal seria expressivo, com uma queda de 45,5% nos gastos com o programa, o que representaria uma economia de cerca de R$ 50 bilhões.

O BPC, garantido pela Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), assegura um salário mínimo mensal a idosos de baixa renda a partir dos 65 anos e a pessoas com deficiência de qualquer idade. O estudo do Made sugere que mudanças nas regras de correção desses benefícios poderiam prejudicar as camadas mais vulneráveis da sociedade.

Guilherme Klein Martins, professor da Universidade de Leeds e pesquisador do Made-USP, afirma que essas mudanças, embora necessárias do ponto de vista fiscal, têm o risco de ampliar a desigualdade. Para ele, a prioridade deveria ser revisar outras despesas, como subsídios ineficazes ou benefícios tributários voltados aos mais ricos, antes de cortar recursos para os mais pobres.

Uma segunda simulação do estudo comparou o cenário em que o BPC estivesse atrelado à inflação, em vez de ao salário mínimo. Nesse caso, a desigualdade de renda no país aumentaria 0,9%, com o índice de Gini subindo para 0,534. Já os benefícios previdenciários teriam uma alta na desigualdade de 4,2% a 4,8%, revertendo parte da redução histórica observada entre 2001 e 2022.

Esse período foi caracterizado por uma queda expressiva da desigualdade no Brasil, com uma redução de quase 11% entre 2001 e 2022. Klein destaca que, caso o piso de benefícios fosse ajustado pela inflação em vez de pelo salário mínimo, uma parte significativa dessa redução poderia ter sido perdida, prejudicando a trajetória de inclusão social do país.

O impacto de uma política que reduz os benefícios sociais também pode ser observado em termos macroeconômicos. O Made estima que cada R$ 1 cortado em benefícios sociais poderia resultar em uma queda de R$ 2,15 no PIB a médio prazo, sugerindo que os ganhos fiscais seriam parcialmente contrabalançados por efeitos recessivos na economia.

O estudo utilizou dados da PNAD Contínua, incluindo informações sobre a renda das famílias e transferências do governo. Esse levantamento revela a importância de políticas sociais bem estruturadas para a promoção da igualdade de oportunidades, especialmente em tempos de austeridade fiscal.

Em entrevista à Folha, Ricardo Paes de Barros, especialista e criador do Bolsa Família, criticou a utilização do Cadastro Único de programas sociais pelo governo. Segundo ele, o governo tem informações detalhadas sobre 40,8 milhões de famílias, mas ainda utiliza apenas a renda declarada para definir quem tem direito aos benefícios. Paes de Barros sugere que a concessão de benefícios deveria ser baseada em uma análise mais detalhada da renda presumida, levando em consideração outras vulnerabilidades das famílias, como o nível de educação ou a presença de doenças e desemprego.

O debate sobre o futuro do salário mínimo e dos benefícios sociais no Brasil está longe de ser resolvido, mas o estudo da USP reforça a necessidade de equilibrar a busca por ajuste fiscal com o compromisso de reduzir a desigualdade de renda e proteger os mais vulneráveis.

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