Envelhecimento acelerado preocupa as principais economias da Ásia

A cidade chinesa de Rugao, na província de Jiangsu, tem número recorde de 440 pessoas com cem anos ou mais

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O século asiático será grisalho. Do Japão à Coreia do Sul, da China a alguns países do sudeste asiático, o envelhecimento das populações está prestes a provocar transformações profundas nas sociedades, nas políticas governamentais e nas estratégias empresariais. A tendência também pode inclinar a balança de equilíbrio do poder mundial e regional, pois alguns países estão estagnados, enquanto outros continuam a crescer graças à mão de obra ainda abundante.
A ameaça do envelhecimento tem sido discutida há anos, mas sinais recentes indicam que os piores temores da região começam a se tornar realidade. “Quero um filho”, disse uma mulher sul-coreana, casada, na faixa dos 30 anos. “Mas ainda não temos uma casa e, quando pensamos no dinheiro, nos sentimos incapazes de mergulhar nisso.”

Muitos sul-coreanos pensam parecido e evitam ter filhos. A população economicamente ativa, que vai dos 15 aos 64 anos, caiu pela primeira vez em 2017 no país. Agora, também se prevê queda na população total, talvez já a partir de 2020, segundo alerta da agência de estatística do país de março.
Em 2065, Coreia do Sul deverá se tornar o país desenvolvido com a população mais idosa. Na China, o governo abandonou a política do filho único em 2016, mas parece ter sido muito pouco e tarde demais. A taxa de nascimentos continuou caindo.
O número de chineses com idade entre 16 e 59 começou a cair em 2014, segundo a ONU. Em 2018, pela primeira vez essa faixa ficou abaixo de 900 milhões de pessoas. Para piorar esse cenário, a taxa de casamentos na China caiu pelo quarto ano seguido em 2017.
Cada vez mais, as empresas precisam pensar em como atender uma nação de solteiros. Em 2018, o site de comércio eletrônico Tmal, do Alibaba, constatou que seus produtos mais vendidos eram destinados para uma pessoa, como garrafas de vinho tinto de 200 ml e pacotes de arroz de 100 gramas.
O Japão está à frente nesse processo. Sua população entre 15 e 65 anos começou a cair em 1995, na mesma época em que o país entrava nas “décadas perdidas” de deflação e estagnação. A população total está em queda desde 2008.
As projeções de longo prazo para os três países são ainda mais sombrias: de 2020 a 2060, a população economicamente ativa (PEA) deverá encolher 30% no Japão, 26% na Coreia do Sul e 19% na China, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Essas estimativas se baseiam numa faixa etária ainda mais ampla, dos 15 aos 74 anos.

Os aposentados com 65 anos ou mais deverão ser mais de 30% das populações desses países em 2060. Hong Kong, Cingapura e Tailândia devem seguir trajetória similar. Há exceções. A população em idade de trabalho na Índia e na Indonésia deve continuar a crescer pelo menos até 2060. O mesmo vale para os EUA, o que dá ao país uma importante vantagem teórica sobre seu principal rival, a China.

Há riscos reais para o crescimento da economia desses países que envelhecem rápido. Estima-se que a taxa de crescimento da China, já em desaceleração, será em média de 7,1% entre 2010 e 2020 e de apenas 1,5% entre 2040 e 2050. Ficaria abaixo da expansão prevista para a Índia, de 3,7%, e os EUA, de 2%.
São apenas previsões. Mas projeções sombrias podem se autorrealizar, uma vez que levam consumidores e empresas a se preparar para o agravamento da crise demográfica. A lógica é simples: a queda no número de consumidores restringe a economia e leva empresas a reduzir investimentos, criando uma espiral descendente.
Os jovens adultos japoneses já estão empenhados em poupar, segundo mostram indicadores de consumo. Nos últimos 30 anos, o índice de poupança subiu de 33% para 38%, na faixa etária entre 25 e 29 anos, e de 38% para 44%, na de 30 a 34 anos, segundo Ikuko Samikawa, professor da Universidade Hitotsubashi, em Tóquio.
“Os jovens tendem a poupar mais porque estão mais preocupados com seu futuro”, disse Hiroshi Nakaso, presidente do conselho do Instituto de Pesquisa Daiwa e ex-vice-presidente do Banco do Japão, o banco central do país. “As empresas também estão contendo os investimentos em meio às incertezas sobre o crescimento futuro”.
Já governos e bancos centrais se deparam com problemas incômodos, tendo pouca margem de manobra para soluções. As mudanças demográficas “terão várias implicações para a política [monetária]”, diz o economista Willem Adema, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O fardo da previdência social fica cada vez mais pesado, e o número de trabalhadores para carregá-lo é cada vez menor. O Japão vem administrando isso acumulando dívidas, enquanto a Coreia do Sul recorreu a uma dolorosa política de austeridade. O dia do ajuste de contas, porém, se aproxima para ambos, enquanto na China o desafio parece ainda mais complicado.

No Japão, os gastos da previdência dispararam nos últimos 20 anos, obrigando o governo a captar mais para manter o sistema. A dívida pública hoje é mais que o dobro do Produto Interno Bruto (PIB), o que faz do Japão o país desenvolvido mais endividado.
Com o tempo, essas circunstâncias vão restringir o poder de ação das autoridades econômicas. À medida que a população encolhe, o crescimento desacelera, os investimentos diminuem e o consumo cai, o resultado mais provável deverá ser o excesso de poupança e uma acentuada queda nas taxas de juros. Com o crescimento travado em torno de 1% e as taxas de juros de longo prazo perto de zero, será difícil para o BC estimular o crescimento via corte nos juros.
O presidente do BC do Japão, Haruhiko Kuroda, abordou o tema em janeiro. “Num cenário de taxa de juros baixa, há um risco maior de os bancos centrais se depararem com o problema do limite inferior zero”, disse, destacando que empresas e autoridades econômicas têm monitorado cada vez mais o “impacto das mudanças demográficas na economia, pois economias avançadas e algumas emergentes têm passado, ou acredita-se que venham a passar, pelo declínio e envelhecimento da população.”
Ainda assim, os idosos no Japão estão bem atendidos no país em termos gerais, ao menos por ora.

Na Coreia do Sul, a dívida é menor, mas há custos pesados para os aposentados. A taxa de pobreza entre os sul-coreanos na faixa etária de 66 e 75 anos chegou a 39% em 2015, contra 17% no Japão e 18% nos EUA. A proporção é ainda maior na faixa de 76 anos ou mais.

A situação difícil dos idosos sul-coreanos fica evidente nos dados de consumo. O nível de consumo dos sul-coreanos e japoneses com menos de 50 anos é parecido. Acima disso, os gastos dos sul-coreanos caem de forma acentuada.

Na Coreia do Sul, como em muitos países asiáticos, tradicionalmente se espera que as gerações mais novas tomem conta dos idosos, mas as atitudes vêm mudando. Mesmo o parco sistema previdenciário sul-coreano está se tornando insustentável. Em 2018, o governo alertou para a possibilidade de o fundo nacional previdenciário quebrar em 2057, se não for tomada alguma atitude.

Os programas de seguridade social da Coreia do Sul representaram só 7,7% do PIB em 2015, bem abaixo dos 18,7% no Japão, segundo a S&P Global. Em 2050, a proporção deverá chegar a 17,8% na Coreia do Sul e a 22,1% no Japão.
Na China, onde o gasto com seguridade social representava só 6,3% do PIB em 2015 e deve chegar a 16,5% em 2050, o tamanho do país e o alto índice de migração da mão de obra elevam a complexidade. Cerca de 300 milhões de pessoas migraram de áreas rurais para as cidades e poucos têm condições financeiras de voltar para tomar conta dos pais idosos a milhares de quilômetros. Os próprios migrantes estão ficando mais velhos: a proporção dos que tinham mais de 50 anos em 2008 era de 11,4% e passou para 21,3% em 2017. A idade de aposentadoria na China em geral é de 60 anos para homens e 50 para mulheres, mas a maioria dos migrantes não terá direito às generosas aposentadorias disponíveis para cidadãos urbanos.
Incluindo os residentes rurais, cerca de 900 milhões de chineses vivem com pouca ajuda da rede de seguridade social. “A responsabilidade de tomar conta dos pais é como uma bomba-relógio para nós”, disse Wang Yuefei, de 36 anos, que trabalha como consultora de saúde em Pequim. “Você nunca sabe quando eles vão ficar doentes e quando pode acabar tendo que pagar alguma conta pesada.”

Embora os pais de Wang tenham seguro-médico subsidiado pelo Estado, ela diz que não é suficiente. O medo de que os gastos disparem, somado ao custo para criar a filha de cinco anos, levou Wang e seu marido a desistir de viagens ao exterior. “Não podemos nos dar ao luxo de gozar o estilo de vida que gostaríamos”, disse.

Guo Yongqi, que trabalha numa ONG ambiental na cidade de Jinan, no norte da China, disse que seu pai tem 60 anos e “ainda precisa trabalhar meio período numa fábrica”. “Isso mostra o tipo de pressão que enfrentamos.”
Apesar do controle onipresente do Partido Comunista, a pobreza na terceira idade vai afetar em breve tantas pessoas que Pequim será obrigada a enfrentar o problema, prevê Adema, da OCDE. “O governo não será mais capaz de ignorar isso”, disse. “Terá de pensar em como transferir dinheiro de áreas ricas a áreas pobres para sustentar a unidade nacional”.

O quebra-cabeças chinês é parte de um problema maior: 68% de todo o emprego na região da Ásia-Pacífico está no setor informal, que não gera receita tributária e oferece pouca cobertura social.
Os governos vêm reagindo lentamente até agora. Uma resposta comum é adiar a aposentadoria. Em Hong Kong, o governo passou a impor recentemente reduções no valor da aposentadoria, a não ser quando o aposentado busca continuar trabalhando. No Japão, o premiê Shinzo Abe propôs benefício maior para quem esperar para se aposentar aos 70 anos.
A Coreia do Sul dá incentivos para que as pessoas tenham mais filhos, mas com pouco sucesso. “Os casais jovens adiam ou evitam ter filhos porque os [pais] estão sobrecarregados com os altos custos do ensino”, disse Gu Bon-chang, diretor do grupo ativista Mundo sem Preocupação com o Ensino Paralelo, que se opõe aos excessos na contratação de professores particulares – um problema ligado à intensa pressão para que os filhos entrem nas melhores escolas e consigam empregos de prestígio.
A China adotou um sistema “hipotecário reverso” que permite aos cidadãos mais velhos usar suas casas como garantia para pegar dinheiro emprestado para a aposentadoria. Mas bem poucos captaram empréstimos até agora.
O encontro de cúpula do G-20 (grupo das maiores economias do mundo) deste ano talvez venha a ser um ponto de inflexão. O Japão, anfitrião do evento, quer chamar a atenção para as ameaças demográficas, destacando sua própria dificuldade como um alerta.
A esperança é que os países asiáticos menos desenvolvidos “olhem para o Japão”, aprendam lições e tentem evitar “segui-lo para o abismo grisalho”, diz Adema, da OCDE. (Colaboraram Kim Jaewon e Sotaro Suzuki, de Seul, e Coco Liu, de Hong Kong – Tradução de Sabino Ahumada)

 

Por Valor Econômico

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