PIB do 1º trimestre: Veja 5 fatores que explicam a surpresa com o índice e 5 pontos de preocupação

Economia teve avanço de 1,2% nos 3 primeiros meses do ano e piora da pandemia teve impacto menor que o imaginado. Apesar da melhora nas projeções para 2021, recuperação segue em ritmo 'morno' e enfrenta cenário de vacinação lenta, inflação alta, desemprego recorde e incerteza ainda elevada.

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Os números da economia no 1º trimestre surpreenderam positivamente, garantindo um resultado do Produto Interno Bruto (PIB) melhor do que se temia no começo do ano. Dados divulgados nesta terça-feira (1º) pelo IBGE mostraram que a economia cresceu 1,2% de janeiro a março deste ano, na comparação com os três meses anteriores.

A piora da pandemia afetou menos a atividade econômica do que no ano passado, o que tem justificado as revisões para cima nas projeções de crescimento do Brasil em 2021, apesar das incertezas ainda elevadas.

Até abril, economistas cogitavam até mesmo o risco de uma nova recessão no 1º semestre, e a maior parte das estimativas apontava um crescimento do PIB ao redor de 3% em 2021.

Agora, parte do mercado fala em um avanço acima de 4% no consolidado do ano. Já o ministro da Economia, Paulo Guedes, diz esperar um crescimento em torno de 4,5% a 5%.

Entre os fatores que explicam a melhora das perspectivas para o PIB, estão números bem menos negativos do que se esperava em março e abril, a maior adaptação das empresas e consumidores à vida com restrições e a alta demanda global por commodities, o que tem impulsionado as exportações brasileiras.

Apesar da surpresa positiva do resultado do 1º trimestre, permanece a avaliação de que a economia cresce em ritmo “morno” e que o saldo deste segundo ano de pandemia ainda deverá ser uma espécie de “0 a 0”, uma vez que o avanço do PIB de 2021 será muito mais uma devolução do tombo histórico de 4,1% do ano passado.

Economistas ouvidos pelo G1 destacam que o avanço da vacinação contra a Covid-19 e a dinâmica da pandemia no país seguem como a principal incerteza, mas que também são fatores de preocupação a delicada situação das contas públicas, a inflação elevada e o desemprego em patamar recorde.

Veja abaixo 5 fatores que explicam a melhora nas projeções para o PIB:

  1. Resultados de março menos negativos que o esperado
  2. Menor impacto da pandemia e das medidas de restrição
  3. Diminuição do isolamento social
  4. Alta da demanda global por commodities
  5. Consumo mostra algum fôlego com famílias usando poupança

E 5 riscos ao crescimento da economia:

  1. Incertezas sobre avanço da vacinação e controle da pandemia
  2. Recuperação desigual e serviços ainda muito afetados
  3. Desemprego recorde e renda menor
  4. Risco de inflação acima do teto da meta
  5. Fragilidade das contas públicas e incertezas políticas

 

Variação do PIB trimestre a trimestre desde 2016 — Foto: Elcio Horiuchi e Guilherme Luiz Pinheiro
Variação do PIB trimestre a trimestre desde 2016 — Foto: Elcio Horiuchi e Guilherme Luiz Pinheiro

1 – Resultados de março menos negativos que o esperado

 

A expectativa inicial era de uma queda maior da economia em março, quando a chamada segunda onda da Covid-19 obrigou estados e municípios a fecharem novamente o comércio e os serviços não essenciais.

Apesar da produção industrial, do recuo nas vendas do comércio e do tombo no volume de serviços em março, o abalo acabou sendo mais moderado do que apontavam as projeções.

O setor de serviços, que possui o maior peso no PIB, por exemplo, teve queda de 4% em março, voltando a ficar no patamar pré-pandemia, mas ainda assim encerrou o 1º trimestre com alta na comparação com o 4º trimestre.

Indicadores de abril e maio também têm surpreendido positivamente, contribuindo para a leitura de que desaceleração da economia no 1º semestre será menor que a inicialmente imaginada. A confiança empresarial, por exemplo, atingiu em maio o maior nível desde março de 2014. Veja gráfico abaixo:

Índice de confiança empresarial — Foto: Economia G1
Índice de confiança empresarial — Foto: Economia G1

2 – Menor impacto da pandemia e das medidas de restrição

Mesmo com o salto no número de contaminações e mortes pela Covid-19 em 2021, a economia brasileira sofreu menos neste ano. Embora março tenha sido o mês mais letal da pandemia até então, nos meses de janeiro e fevereiro o número de vitimas da Covid permaneceu abaixo do pico registrado em julho do ano passado.

Analistas destacam também que as restrições impostas pelos estados e prefeituras foram mais brandas e paralisaram menos as atividades.

As empresas e as cadeias de produção também mostraram maior capacidade de adaptação à economia digital, com uso intensivo de tecnologia, jornada híbrida de trabalho e forte expansão do comércio eletrônico.

“Quando veio a segunda onda, deu uma virada em todos os segmentos. Porém, assim como ocorreu na Europa e em outras regiões, as empresas já estavam mais adaptadas à vida online, ninguém foi pego de surpresa ou teve que parar tudo ou cancelar contratos e projetos”, afirma o economista Gesner Oliveira, sócio da consultoria GO Associados.

 

A economista do Ibre/FGV Silvia Matos destaca ainda que alguns segmentos cresceram com a pandemia, o que ajuda a deixar a economia “um pouco mais imune”.

“Houve setores que foram amplamente beneficiados pela mudança de padrão de consumo e também pelas políticas de estímulos. A gente tem visto empresa se dando muito bem”, afirma a pesquisadora, citando a alta nas vendas de bens de consumo, material de construção e o avanço dos serviços de tecnologia e internet.

 

3 – Diminuição do isolamento social

 

Mesmo com a maior letalidade da pandemia, o processo de reabertura da economia acabou sendo mais rápido que o previsto e o isolamento social também teve uma menor adesão da população.

Levantamento da empresa de tecnologia In Loco, a partir e dados de localização de celulares, mostrou que o Índice de isolamento no país estava em 38,3% no final de março, ante 62,2% no mesmo período do ano passado.

“Essa menor adesão dos indivíduos ao distanciamento social pode ser explicada por diversos fatores, dentre os quais a necessidade de sair para as ruas para recompor a renda, uma maior confiança nas medidas de prevenção (como o uso de máscara), a fadiga da disposição das pessoas de continuar em isolamento e uma sensação de maior segurança diante do avanço do processo de vacinação”, avaliou a equipe da LCA Consultores ao revisar a sua projeção de crescimento do PIB para 2021, de 2,8% para 4%.

 

A percepção é que houve um descolamento entre as medidas de restrição e a dinâmica da atividade econômica. “Os consumidores estão mais habituados a fazer compras em tempos de pandemia e tem o fator ‘saco cheio’. É curioso, e a gente vê isso também fora do Brasil: os números da pandemia são muitos ruins; no entanto, as pessoas saem muito mais do que saíam no ano passado”, destaca Oliveira.

4 – Alta da demanda global por commodities alavanca o PIB

 

A forte alta dos preços de commodities (matérias primas da agropecuária e mineração)tem impulsionado a balança comercial brasileira em 2021, favorecendo sobretudo a cadeia do agronegócio e da mineração.

O 1° trimestre foi caracterizado por preços recordes das commodities agrícolas e metálicas. Os preços médios do milho e da soja em março, por exemplo, foram negociados com aumento de 59,42% e 81,1% na comparação com o mesmo período do ano passado, de acordo com levantamento da GO Associados.

O aumento da demanda global por commodities é explicado principalmente pelo avanço da vacinação nos países desenvolvidos e pelo crescimento asiático, puxado pela China – maior comprador de produtos brasileiros como alimentos e minério de ferro. Em abril, a balança comercial registrou o maior superávit em 33 anos.

O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, projeta que o peso de toda a cadeia produtiva associada à commodities deverá representar neste ano cerca de 40% a 45% do PIB do Brasil.

“O que vai salvar o PIB neste ano de fato é essa questão das commodities”, afirma.

 

 

5 – Consumo mostra algum fôlego com famílias usando poupança

 

A interrupção do pagamento do Auxílio Emergencial e de outras medidas de socorro no começo do ano também teve um impacto no nível total de consumo menor do que o imaginado – os dados do PIB mostraram queda de apenas 0,1% no consumo das famílias no primeiro trimestre. Vale lembrar que a nova rodada do benefício começou a ser paga somente em abril, com valor menor e para um número menor de trabalhadores.

“O que mais surpreendeu no 1º trimestre foi a resiliência da atividade econômica, sobretudo em janeiro e fevereiro, quando houve a interrupção do auxílio emergencial e a economia continuou de alguma forma em expansão”, destaca Juan Jensen, sócio e economista da 4intelligence, citando o aumento da média de horas trabalhadas e a criação de empregos formais, apesar do contingente ainda recorde de desempregados.

O nível de consumo nos primeiros meses do ano, porém, foi puxado principalmente pelas famílias mais ricas. Sondagens da FGV apontam também um maior uso de reservas de poupança e aumento do endividamento dos mais pobres.

“Algumas famílias conseguiram poupar um pouco, mas muitas disseram que têm usado mais parcelas de poupança para pagar as suas necessidade”, afirma Matos. “Essa crise é mais devastadora para os mais pobres e menos qualificados. Para os mais qualificados teve até crescimento do emprego. Então, de alguma forma, a capacidade de consumo do país ainda mostrou algum fôlego”.

 

A seguir, veja 5 fatores de preocupação que podem comprometer o ritmo de recuperação da economia brasileira:

1 – Incertezas sobre avanço da vacinação e controle da pandemia

 

É praticamente consenso que só uma situação de pandemia sob controle é que garantirá uma retomada firme e mais rápida da economia.

A expectativa ainda é de que o avanço da vacinação deverá reduzir a partir de meados do segundo semestre os riscos relacionados à dinâmica do vírus, mas os ruídos políticos e a gestão federal da crise sanitária continua sendo fator de incerteza e estresse. A chegada da variante indiana do novo coronavírus também acendeu o alerta para o risco de uma nova alta das contaminações.

“A verdade é que a vacina teria sido a política econômica mais barata de todos os tempos. A velocidade baixa da vacinação faz com que não se consiga resolver o problema, pois sempre tem a necessidade de colocar restrições, que embora menores penalizam a produção”, afirma Oliveira.

 

Apenas pouco mais de 10% da população do país já foi vacinada com a primeira e a segunda doses. No ritmo atual, a vacinação de adultos só deverá ser concluída no país em 2023, alertam especialistas ouvidos pelo G1.

2 – Recuperação desigual e serviços ainda muito afetados

A recuperação dos serviços permanece como a mais dependente do controle da pandemia, uma vez que o setor continua sendo o mais afetados pelas restrições e pelo medo de contágio da doença. Vale lembrar que é o setor com maior peso no PIB, contribuindo com 73% no resultado geral.

Os serviços prestados às empresas têm mostrado alguma resiliência, com alguns segmentos como o de tecnologia da informação sendo até mesmo favorecidos pela pandemia. Por outro lado, em março, os serviços prestados às famílias ainda estavam 44,4% abaixo do patamar pré-pandemia.

“O patinho feio dessa pandemia é o segmento de serviços muito voltados às famílias, a parte de lazer, entretenimento e transportes”, destaca Silvia Matos. “Os setores que mais sofrem são os que empregam mais e têm muita informalidade. É por isso que a recuperação da economia está vindo com menos ocupação e mais gente fora do mercado de trabalho”.

 

Os economistas projetam uma retração dos serviços no 2º trimestre em razão da permanência das restrições em diversas regiões do país, e avaliam que a volta ao nível pré-pandemia está condicionada ao avanço da vacinação.

“A economia não vai no ano como um todo recuperar as perdas do ano passado. Nossa visão é que no segundo semestre a retomada será mais forte, puxada por serviços, justamente com o efeito da vacinação e maior flexibilidade em relação distanciamento social”, diz Jensen.

 

3 – Desemprego recorde e renda menor

O desemprego fechou o 1º trimestre em patamar recorde no Brasil, atingindo 14,8 milhões de brasileiros. Já o número de desalentados – trabalhadores que desistiram de procurar uma ocupação – chegou a 6 milhões. Com isso, o número de subutilizados (desempregados, desalentados e os que trabalham menos horas do que poderiam, além dos que poderiam estar ocupados mas não trabalham por motivos diversos) chegou a 33,2 milhões. Em 1 ano, 6,6 milhões de postos de trabalho foram eliminados no país.

 

Além da explosão do número de brasileiros sem trabalho e sem renda, a massa de rendimentos no país caiu 6,7% na comparação anual, o que corresponde menos R$ 15,2 bilhões por mês em circulação na economia.

“Nunca tivemos um desemprego tão elevado e isso naturalmente coloca muita restrição no maior componente do PIB brasileiro, que é o consumo”, destaca Oliveira.

Vale lembrar que o IBGE considera como desempregado apenas os trabalhadores que efetivamente procuram emprego. Nesse sentido, à medida em que o ritmo da atividade econômica melhore, a tendência é que um contingente maior de pessoas passe a buscar trabalho, o que deve manter os salários achatados por um bom tempo ainda.

4 – Risco de inflação acima do teto da meta

 

A disparada nos preços de produtos como carne e energia elétrica, e o risco da inflação fechar o ano acima do teto da meta do governo, que é de 5,25%, também são apontados como risco para o ritmo de crescimento.

“À medida em que os auxílios vão ficando menores e o mercado de trabalho não se recupera, o país não tem aquela geração de renda que tinha no passado e a inflação muito alta corrói o poder de compra, principalmente das famílias mais pobres”, afirma Matos.

Além da forte alta dos preços de matérias-primas e da inflação do atacado, entrou no radar o risco de racionamento de energia em razão da seca e do baixíssimo nível dos reservatórios. Nas casas dos brasileiros, depois de forte alta em janeiro, a inflação dos alimentos deu uma trégua aos consumidores.

A inflação elevada tem feito crescer as apostas de maior aperto monetário em 2021 – ou seja, de uma alta mais acentuada e rápida na taxa básica de juros (Selic), o que teria impactos negativos na expansão do crédito e no PIB.

“Um impacto inflacionário muito forte poderá obrigar um ciclo forte de aumento de taxa de juros. Isso eventualmente poderia abortar uma recuperação”, alerta Oliveira. “Num biênio de mais ou menos zero de crescimento, você não conseguir ter uma inflação baixa é muito desconfortável e reflexo de problemas tanto de demanda quanto de oferta”, acrescenta.

 

Evolução do PIB do Brasil — Foto: Economia G1
Evolução do PIB do Brasil — Foto: Economia G1

5 – Fragilidade das contas públicas e incertezas políticas

 

A fraqueza do mercado de trabalho e o ritmo lento de vacinação também já levanta o debate sobre a necessidade de uma nova prorrogação do Auxílio Emergencial e da manutenção de outras medidas de estímulo por mais tempo que o previsto pelo Orçamento 2021.

Em abril, o Ministério da Economia elevou para R$ 286 bilhões a previsão de rombo nas contas do governo no ano. O ano de 2021 será o oitavo consecutivo de déficit fiscal, o que tem feito explodir o endividamento público, com reflexos diretos nos investimentos, na taxa câmbio e na confiança no país.

“A enorme fragilidade fiscal gera uma apreensão grande de uma subida insustentável da relação dívida/PIB. E isso coloca muito ceticismo em relação a uma retomada sustentada”, diz Oliveira.

 

Por fim, os economistas citam os riscos associados aos recorrentes ruídos políticos e atritos entre Executivo, Legislativo e Judiciário, que atrapalham e economia e as perspectivas de médio prazo.

A melhora das projeções para o PIB de 2021 tem vindo acompanhada por outro lado de uma redução das estimativas de crescimento no ano que vem. O Ibre/FGV, por exemplo, revisou sua previsão de avanço da economia brasileira, de 2% para 1,5%, citando os riscos de curto prazo e aumento das incertezas associadas à eleição presidencial de 2022.

“Ainda não superamos a pandemia, a recuperação caminha agora com mais inflação e a necessidade de redução dos estímulos monetários chega muito cedo. A grande pergunta é: como a economia irá se sustentar com o fim dos estímulos, sem crédito barato e sem tantas muletas?”, questiona Matos.

Fonte: G1

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